De todas as belezas da nossa profissão, uma delas me intriga e fascina muito. O quanto de nós levamos para o palco? Será que algum ator consegue manter um total distanciamento e não carregar de si para a personagem? Eu, particularmente, acho impossível. Uns levam mais, outros levam menos, mas creio que todos levamos. Experiências, sentimentos, vivências, o tipo de educação que recebemos e até os livros que lemos, tudo isso faz parte da construção da personagem. E para cada um será diferente, bem como o que desencadeia aquela determinada emoção.
Se, em uma determinada cena, outro ator precisa passar os braços pela sua cintura te puxando para perto e você já viveu algo semelhante quando um grande amor que há tempos você não o via fez o mesmo, com certeza este gesto irá desencadear em você uma forte emoção positiva de alegria, êxtase, paixão. Ao contrário, se você passou por algo semelhante quando foi assaltado e um ladrão teve este gestual para roubá-lo, despertará em você o medo, a raiva, o susto. Dependendo do contexto da cena e da sua vivência, você deverá liberar a sua emoção ou bloqueá-la e buscar outra que talvez você nunca tenha vivido, mas já viu em algum filme, leu em algum livro ou mesmo presenciou em algum espetáculo. Aí entra a necessidade de repertório e por isso devemos sempre buscar referências. Notem, não se trata de copiar, plagiar, mas de criar repertório.
Stanislavski chama isso de memória afetiva. Ele enfatiza que não devemos nos expressar no palco com nossos hábitos, mas sim construir a personagem de forma diferenciada da nossa dimensão pessoal. Todavia, é através da nossa memória pessoal e afetiva que vamos encontrar as emoções da personagem.
E as experiências pessoais do público também contam. Cada cena irá despertar um sentimento minimamente diferente em cada pessoa sentada na plateia. Depende do que cada um viveu. Uma cena de agressão física será vista e sentida de formas diferentes por quem já vivenciou aquilo ou não. O teatro é a arte da interação. Interação de vivências e sentimentos, do ator com a personagem, do ator com o público e do público com a personagem.
“Carla Buarque é atriz e usa a escrita como válvula de escape para as agruras do mundo”.