[Quarta Parede] A Dor…

Quando ela se levanta, o corpo reage querendo retornar ao conforto do colchão e das cobertas, tamanha a dor que sente pelo corpo. Sua saúde é debilitada, toma medicamentos fortíssimos, mas ela se levanta! Ficar na cama aos lamentos, não é a melhor solução.

A doença – não importa qual seja – afinal, doença é doença, e superá-la para encarar uma rotina de vida ativa, só depende da pessoa. Mas, no caso dela, dependia também da compreensão do próximo. Era atriz e amava o seu ofício, mas já foi dispensada de muitas produções devido à fragilidade de sua saúde. Diretores não tinham paciência de trabalhar com alguém com tantas limitações físicas. Alguns atores olhavam torto, pois a disposição deles esbarrava nos problemas que ela não podia controlar. Talentosa, esforçada e generosa, fingia não ouvir e procurava não sofrer, por isso, quando foi para outro grupo, resolveu omitir seu estado de saúde.

Ninguém tinha sensibilidade para perceber que aquela profissional trabalhava quase no limite da dor. Protegia-se o quanto podia, sempre com um sorriso no rosto… Mas, em certo ensaio, numa cena brusca onde sua personagem levava uma bofetada no rosto seguida por uma queda, não suportou… o grito foi tão grande que os atores e o diretor pensaram fazer parte da cena e todos aplaudiram a intensidade cênica. Mas ela sentiu tanta dor que não conseguia se mover! Os profissionais ficaram preocupados, mas uma das atrizes, justamente aquela que desferiu o tapa, disse:

– Nem foi tão forte assim! Só por causa de um tapa?! Nem é a primeira vez que ensaiamos esta cena. Para mim é frescura… – Disse com certa razão, mas somente em relação ao tapa que realmente não teve força.

O diretor e dois atores a ajudaram a se levantar e a atriz caiu no choro. Ela não conseguiu mais se controlar, pois já trabalhava com aquele grupo há quase dois anos e achou ter formado ali uma grande família e que neste momento teria a compreensão que nunca teve em outros lugares. Citou seu drama que há muitos anos sofre de uma doença crônica e tem que tomar medicamentos muito fortes, com isso, sua resistência diminui e sente tantas dores.

A princípio houve compreensão e um sentimento de compaixão por parte de todos. Alguns admiraram a força daquela mulher em persistir na profissão, mesmo com tanto sofrimento. Mas parou por aí! O diretor, apesar de entender sua situação, deixou claro que se não há condições para trabalhar, não pode exercer essa profissão.

– Ser ator exige muitos esforços, mental e físico. Poderia ter sido pior! Não posso abrir mão de uma ideia coerente com a personagem se a minha atriz vive com dores e doente! Entenda meu lado, mas deste jeito não dá…

O diretor não amenizou as marcas, não quis abrir mão de nenhuma cena em prol da atriz. Para ele, se ela não consegue, não pode fazer parte do espetáculo…

Será que nós artistas devemos ser tão cruéis e intolerantes com a dor do próximo? Se a atriz não pode voar, por que não simbolizar o voo de outra forma? Trabalhamos muitas vezes com dores no corpo e na alma, por isso precisamos do calor do palco, da energia da arte para sobreviver e superar. O palco é mágico e cura muitas feridas. Tirar isso de um artista é o mesmo que decretar o seu óbito.

Por Luana Manso
Revisado por Zilma Barros

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