A commedia dell’arte é uma forma de teatro popular que aparece no século XVI, na Itália, e se desenvolve posteriormente na França, permanecendo até o século XVIII, quando da reforma goldoniana da comédia.
A “commedia dell’arte” veio se opor à “comédia erudita”, também sendo chamada de commedia all’improviso e commedia a Soggetto.
Suas apresentações eram realizadas nas ruas e praças públicas. As companhias eram itinerantes e possuíam uma estrutura de esquema familiar. Ao chegarem a cada cidade, pediam permissão para se apresentar nas suas carroças ou em pequenos palcos improvisados. Os atores seguiam apenas um roteiro simplificado (canovaccio) e tinham total liberdade para improvisar e interagir com o público.
Personagens
A fixação de tipos pelo dialeto tornou-se traço característico da Commedia dell’arte. O contraste da linguagem, status, sagacidade ou estupidez de personagens predeterminadas assegurava o efeito cômico. A tipificação levava os intérpretes a especializar-se numa personagem em particular.
Os personagens da Commedia dell’arte são divididos em três categorias: os zanni são os personagens de classe social mais baixa.Os servos. Os vecchi que representam os de classe social mais abastada e os innamorati, os amantes, que querem se casar.
Arlecchino – também conhecido como Harlequin, é um palhaço. Um dos zanni. Acróbata, amoral, glutão.É facilmente reconhecível pela roupa branca e preta com estampa em forma de diamantes O papel algumas vezes é substituído pelo Truffeldino, seu filho. Sua máscara possui uma testa baixa com uma verruga. Algumas vezes, usa um lenço negro sob o queixo e amarrado no alto da cabeça. Geralmente, Arlecchino é o servo do Pantalone, às vezes do Dottore. Ele ama Colombina, mas ela apenas o faz de idiota.
Brighella – Um trapaceiro, de pouca moral e desmerecedor de confiança. É retratado como agressivo, dissimulado e egoísta.
Il Capitano – Forte e imponente, mas não necessariamente heróico, geralmente usa uniforme militar, mas de forma exagerada e desnecessariamente pomposa. Conta vantagens como guerreiro e conquistador, mas acaba desmentido. Capa e espada são adereços obrigatórios.
Columbina – A contrapartida feminina do Arlecchino. Usualmente retratada como inteligente e habilidosa. É uma das servas, uma zanni. Algumas vezes, utiliza roupas com as mesmas cores do Arlecchino.
Dottore – O doutor. Visto como o homem intelectual, mas geralmente essa impressão é falsa. Ele é o mais velho e rico dos vecchi. Geralmente, interpretado como um pedante, avarento e sem o menor sucesso com as mulheres. Usa uma toga preta com gola branca, capuz preto apertado sob um chapéu preto com as abas largas viradas para cima.
Os Innamorati são os amantes.O innamorato e a innamorata têm muitos nomes. (Isabella era o nome mais popular usado para a innamorata). Eles são jovens, virtuosos e perdidamente apaixonados um pelo outro. Eles usam os trajes mais belos e de acordo com o período e a moda vingente e nunca usam máscara. Geralmente, cantam, dançam ou recitam poemas.
Pantalone – Um dos vecchi. Geralmente, muito rico e muito avarento. O arquétipo do velho pão-duro. Não se preocupa com mais nada além de dinheiro. O cavanhaque branco e o manto negro sobre o casaco vermelho, possui uma filha casadoira ou é ele próprio um cortejador tardio.
Pedrolino, – Também conhecido como Pierrot ou Pedro, é o servo fiel. Ele é forte, confiável, honesto e devotado a seu mestre. Ele também é charmoso e carismático e usa roupas brancas folgadas com um lenço no pescoço.
Pulcinella – Muitas vezes conhecido como “Punch”. O esquisito, inspirador de pena, vulnerável e geralmente desfigurado. Na maioria das vezes, com uma corcunda. Muitas vezes, não é capaz de falar e, por isso, comunica-se através de sinais e sons estranhos Sua personalidade pode ser a de um tolo, ou de um enganador. Tem a voz estridente e sua máscara tem um nariz grande e curvo, como o bico de um papagaio.
Scaramuccia – Também conhecido como Scaramouche, é um pilantra. Usa uma máscara de veludo negro, assim como também são suas roupas e seu chapéu. Um bufão, geralmente retratado como um contador de mentiras covarde.
Histórico

As origens exatas desta forma de comédia são desconhecidas. Alguns reconhecem nela a herdeira das Festas Atelanas, assim chamadas porque se realizavam na cidade de Atella, na Península Itálica meridional, em homenagem a Baco. AsFabulae Atellane, farsas populares burlescas e grosseiras, eram uma das modalidades de comédia da antiguidade romana.
I Gelosi (Os Ciumentos), dos irmãos Andreni, foi a primeira companhia teatral de que se tem notícia. Foi fundada em1545 por oito atores de Pádua que se comprometeram a atuar juntos até à quaresma de 1546. Foram os primeiros a conseguir viver exclusivamente da sua arte. Neste âmbito, destaca-se também o nome de Angelo Beolco (1502-1542), mais conhecido como Ruzante, considerado um precursor da commedia dell’arte. Beolco foi autor dos primeiros documentos literários em que os personagens eram tipificados. Outra das suas facetas mais conhecidas foi a de ator. Ele representava a personagem de Ruzante, um camponês guloso, grosseiro, preguiçoso, ingénuo e zombador.
Desde o seu início, a commedia dell’arte fascinou e atraiu o público entre as classes sociais mais elevadas. As melhores companhias – I Gelosi, I Confidenti, I Fedeli – conseguiram levar as suas peças da rua para o palácio, fascinando audiências mais nobres. Devido a esse apoio, foi-lhes permitido extrapolar as fronteiras do seu país de origem e viajar por toda a Europa, especialmente a partir de 1570. As companhias itinerantes levaram as suas peças a todas as grandes cidades da Europa renascentista, deixando a sua marca emFrança, Espanha, Inglaterra, entre outros. Mais tarde, dramaturgos como Ben Jonson, Molière, Marivaux eGozzi vão inspirar-se nas personagens estereotipadas da commedia dell’arte.
Descrição
Os grupos de atores itinerantes montavam um palco ao ar livre e proviam o divertimento através de malabarismos, acrobacias e, mais tipicamente, peças de humor improvisadas, baseadas num repertório de personagens preestabelecidos e num roteiro descritivo das cenas (canovaccio). Essas trupes ocasionalmente atuavam na parte de trás de suas carroças de viagem, embora fosse mais comum a utilização do carro de Téspis, um teatro móvel de antigamente.
As apresentações eram improvisadas em cima de um estoque de situações convencionais: adultério, ciúme, velhice, amor. Esses personagens englobavam o ancestral do palhaço moderno. O diálogo e a ação poderiam facilmente ser atualizados na e ajustados para satirizar escândalos locais, eventos atuais, ou manias regionais, misturados com piadas e bordões. Os personagens eram identificados pelo figurino, máscaras, e até objetos cênicos, como o porrete. Os Lazzi e Conchetti também são usados.
Na trama tradicional, os innamorati (enamorados) querem se casar, mas um ou mais vecchi (velhos) estãoimpedindo-os de se casar; então, eles precisam de um ou mais zannipara ajudá-los. Tipicamente termina tudo bem com o casamento dos enamorados e o perdão por todas as confusões causadas. Há inúmeras variações dessa história, assim como há muitas que divergem completamente dessa estrutura, como uma famosa história em que o Arlecchino fica misteriosamente “grávido”.
Atores do século XVIII

Os personagens eram interpretados por atores usando máscaras, embora os innamorati (ou enamorados) não as usassem. Assim como os da mesma época (Shakespeare), os italianos vestiam atores homens en travesti – com roupas de mulheres e perucas. Diferentemente dos atores do teatro renascentista inglês, eles o faziam por propósitos humorísticos – não por proibição legal.
Alguns personagens representavam regiões ou capitais italianas, como o Meneghino, identificado com a cidade deMilão . Frequentemente eles ainda são símbolos de suas cidades.
Características
As representações teatrais, levadas a cabo por atores profissionais, eram feitas nas ruas e nas praças, e fundaram um novo estilo e uma nova linguagem, caracterizadas pela utilização do cómico. Ridicularizando militares, prelados, banqueiros, negociantes, nobres e plebeus, o seu objetivo último era o de entreter um vasto público que lhe era fiel, provocando o riso através do recurso à música, à dança, a acrobacias e diálogos pejados de ironia e humor.
As encenações da Commedia dell’arte baseavam-se na criação colectiva. Os actores apoiavam-se num esquema orientador e improvisavam os diálogos e a acção, deixando-se levar ao sabor da inspiração do momento, criando o tão desejado efeito humorístico. Eventualmente, as soluções para determinadas situações foram sendo interiorizadas e memorizadas, pelo que os actores se limitavam a acrescentar pormenores que o acaso suscitava, ornamentados com jogos acrobáticos.
O elevado número de dialectos que se falavam na Itália pós-renascentista determinou a importância que a mímica assumia neste tipo de comédia. O seu uso exagerado servia, não só o efeito do riso, mas a comunicação em si. Comumente uma companhia nada fazia para traduzir o dialecto em que a peça era representada à medida que fosse actuando nas inúmeras regiões por que passava. Mesmo no caso das companhias locais, raras eram as vezes em que os diálogos eram entendidos na sua totalidade. Daí que atenção se centrasse na mímica e nas acrobacias, a única forma de se ultrapassar a barreira da ausência de unidade linguística.
As companhias, formadas por até dez ou doze actores, apresentavam personagens tipificados. Cada actor desenvolvia e especializava-se numa personagem fixa, cujas características físicas e habilidades cómicas eram exploradas até ao limite. Variavam apenas as situações em que as personagens se encontravam.
O comportamento destas personagens enquadrava-se num padrão: o amoroso, o velho ingénuo, o soldado, o fanfarrão, o pedante, o criado astuto. Scaramouche, Briguela,Isabela, Columbina, Polichinelo, Arlequim, o Capitão Matamoros e Pantaleone são personagens que esta arte celebrizou e eternizou. Importante na caracterização de cada personagem era o vestuário, e em especial as máscaras. As máscaras utilizadas deixavam a parte inferior do rosto descoberto, permitindo uma dicção perfeita e uma respiração fácil, ao mesmo tempo que proporcionavam o reconhecimento imediato da personagem pelo público.
As peças giravam em torno de encontros e desencontros amorosos, com um inesperado final feliz. As personagens representadas inseriam-se em três categorias: a dos enamorados, a dos velhos e a dos criados (zannis). Estes últimos constituíam os tipos mais variados e populares. Havia o zanni esperto, que movimentava as acções e a intriga, e o zanni rude e simplório, que animava a acção com as suas brincadeiras atrapalhadas. O mais popular é, sem dúvida, Arlequim, o empregado trapalhão, ágil e malandro, capaz de colocar o patrão ou a si em situações confusas, que desencadeavam a comicidade. No quadro de personagens, merecem ainda destaque Briguela, um empregado correcto e fiel, mas cínico e astuto, e rival de Arlequim, Pantaleone ou Pantaleão, um velho fidalgo, avarento e eternamente enganado. Papel relevante era ainda o do Capitano(capitão), um covarde que contava as suas proezas de amor e em batalhas, mas que acabava sempre por ser desmentido. Com ele procurava-se satirizar os soldadosespanhóis.
As representações tinham lugar em palcos temporários, na maior parte das vezes nas ruas e praças das cidades e, ocasionalmente, na corte. A precaridade dos meios de transporte e vias e as consequentes dificuldades de locomoção, determinavam a simplicidade e minimalismo dos adereços e cenários. Muitas vezes, estes últimos resumiam-se a uma enorme tela pintada com a perspectiva de uma rua, de uma casa ou de um palácio. O actor surge assim como o elemento mais importante neste tipo de peças. Sem grandes recursos materiais, eles tornaram-se grandes intérpretes, levando a teatralidade ao seu expoente mais elevado.