[Quarta Parede] Quando a arte não consegue ajudar…

Era muito difícil lidar com aquele menino tão arredio a tudo o que lhe era ensinado. Fazia questão de cruzar os braços, colocava empecilhos, não tinha o menor interesse… então, por que estava ali? Por que o palco era tão intimidador para aquela criança de apenas 11 anos? Seria uma oportunidade de fugir da realidade vivendo outras vidas, outros sonhos e realidades! Enquanto os outros alunos se empolgavam, tinham curiosidade e alegria com a arte, aquele menino magricela, de olhos pretos e arregalados, não dava a menor importância.
Será por trauma? Não sabemos. Mas sua história não é como a de tantos outros garotos e garotas com pais e mães e que, mesmo com algumas dificuldades, nada falta dentro de seus lares. Miguel, desde muito pequeno aprendeu a duras penas a lei da sobrevivência. Filho de uma mulher vítima de violência doméstica, aos 16 anos foi obrigada a se casar com o próprio padrasto, viúvo de sua mãe, que a assediava e começou a abusar dela quando tinha somente 13 anos. A esposa, apaixonada pelo marido e cansada da miséria, da pobreza e de ser mãe solteira, em tudo acreditava. O crime de pedofilia jamais foi revelado e a mulher morreu de forma misteriosa, sem saber da monstruosidade cometida contra a filha.
Aos 18 anos, Isabel, a mãe de Miguel engravidou, porém a gestação foi marcada por brigas. O marido, ciumento, não deixava a mulher sair de casa e ainda por cima batia nela, mesmo estando grávida. O menino nasceu com dificuldades respiratórias e quase não sobreviveu. Durante oito anos, Isabel e o filho viveram às voltas com dores e privações, pois até fome chegaram a passar, diante da violência e descontrole daquele homem. Um dia, a mulher tomou coragem e denunciou o marido, porém, não quis ficar com Miguel e entregou a criança a um abrigo. A assistente social do local, vendo a solidão e tristeza nos olhos daquela criança, o indicou para uma escola de teatro onde sua amiga Cintia é professora.
Foi o encontro do sofrimento com a arte… a assistente, apegada à criança, acreditava que no teatro o menino se desenvolveria a ponto de extravasar um pouco a sua tristeza. A professora Cintia tentava ao máximo, porém Miguel não demonstrava estar disposto a aproveitar aquele curso. O problema não era a falta de afinidade com a arte, mas sim, com a vida. Como proceder nesse caso?
Como utilizar o teatro como instrumento de salvação ou alívio para pessoas que sofreram tanto em sua trajetória? Se o artista é um idealista, como deve lidar com aquele que tem a arte na alma, mas é um pragmático? Alguém tem esta resposta?

Por Luana Manso
Revisado por Zilma Barros

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