No [Atores Entrevista] de hoje fomos conferir a peça Vil, que está em cartaz no Sesc Copacabana, com direção de Renato Carrera. A peça aborda a violência doméstica, um assunto bem pertinente e importante. Conversamos com a atriz e produtora Beta Scchineider, que falou da necessidade de se colocar em cena um assunto tão forte. Confira.
AD: A peça aborda um tema, infelizmente, muito atual. Fazer essa montagem partiu do desejo/necessidade de expor e falar sobre? E como foi a pesquisa pra fazer o texto/espetáculo?
BS: Essa peça ela faz parte de uma trilogia. Vou falar então da companhia, da Vil Cia. Ela começou com uma parceria entre o Renato e a Andreza Bitencour, uma parceria de longa data já. E eles montaram o Savana Glacial (Jô Bilac) e depois Vestido de Noiva (do Nelson Rodrigues), foi um grande sucesso. E a equipe se uniu, todos que estavam no projeto e montaram o Abajur Lilás (Plínio Marcos). E no Vestido de Noiva já começou a despontar essa vontade de ter uma companhia e de abordar esse campo social, pelo menos nessa trilogia. A gente toca, na verdade, na montagem contemporânea. E com essa vontade de fazer a companhia, a primeira montagem mesmo foi o Hipnose (Marta Zanelatto), que conta a história de um falso sequestro, é uma tragicomédia, uma mulher recebe uma ligação vinda de Bangu dizendo que sequestraram o filho dela, e a história mostra a polaridade de quem são os falsos sequestradores, os motivos deles fazerem isso e quem é a vítima, que é uma mulher, massoterapeuta, meio maluca. Existe uma identificação com os dois lados da história, então não tem “mocinha” e vilão. E mostra que isso é uma realidade do nosso país.
Depois foi o Abajur Lilás, que já é mais violenta, conta a uma parte da história do Brasil, porque é vinculada a ditadura, no momento atual que vivemos. E na época, se o Plínio estivesse vivo, seria 80 anos dele. E aí, nós fizemos uma ocupação no Sesc Tijuca.
Depois dessa montagem a gente decidiu pegar esse foco da mulher, da violência doméstica. E um dos pilares do feminismo é a violência doméstica, os dados mostram (e são citados na peça) que mais da metade das mulheres assassinadas, o crime é cometido pelo ex-marido, namorado, ex-namorado ou atuais, e isso é muito forte. Mostra que uma vez que você casa, a mulher não pode sair com outro porque fere a honra do marido, e já o homem pode trair, pode ter várias. A mulher não pode sair com uma parte do corpo a mostra porque está pedindo, já o homem se sair com o cofrinho de fora não vai ser estuprado.
E pouco antes da gente estrear teve o caso do estupro coletivo que mostrou pra gente, pro Brasil inteiro, que realmente é verdade, quantas pessoas não falaram que ela merecia, que estava ali, que tinha 16 anos e já tinha filho, que estava andando com bandido e que podia acontecer isso, que ela não é santa. Não!!
E o Vil é um texto do Rodrigo de Roure, e começou a partir de recortes de jornais, então é cheio de fatos reais, de histórias de mulheres que sofreram violência. E nós pegamos alguns fragmentos, encaixamos com música e demos essa roupagem final.
AD: Porque Vil?
RS: Vil. Porque a vida é vil. Fazer cultura no Brasil é difícil, é um teatro de resistência, é cultura de luta. O nome dessa trilogia, dessas três peças que abordam três tipos de violência diferentes, demos o nome de Tempos de Paz. E Nelson falava que essa violência que acontece com os travestis, com as putas, que acontece na rua, acontecem dentro de casa também.
E o Vil veio encerrar essa jornada da companhia.
Então, fazer cultura no nosso país é vil.
AD: Falando de um universo feminino, e você como atriz e mulher, como você sente a visão de um homem dirigindo uma peça sobre repressão feminina?
RS: Algumas pessoas levantaram essa questão. E nós discutimos internamente isso também. Eu acho que acaba sendo um pouco de preconceito também se for falar de mulher tem que ser tudo feito por mulher. A Vil ela já é uma equipe, e lá atrás não foi pensado se é uma mulher, se é homem, é pela qualidade dos profissionais envolvidos e que já estão juntos há muito tempo. E nós achamos que iria descaracterizar um pouco o trabalho da companhia, que vem com essa equipe, que já está em linha, só pra chegar pro mercado e dizer “é uma peça genuinamente feminina”.
E os homens também precisam se envolver, e são homens que quiseram falar sobre isso. E você vê que é bem forte a peça, que em nenhum momento tá querendo suavizar a visão do homem.
E uma coisa engraçada que tá acontecendo, você vê as vezes muitos casais mas vê também muitos homens sozinhos vindo assistir à peça.
E nós mulheres do elenco a gente se fez muito presente, chamamos pessoas para assistirem, nós batalhamos e mudamos coisas no texto que a gente achava que tinham que mudar, todas as mulheres que estão ali são muito fortes, pode ver em cena. A gente se fez ouvir e falávamos na cara deles, nos fizemos presentes e mostramos a nossa marca. E é nossa cara, né. Imagina, a gente vai falar sobre violência doméstica e deixar o homem sobressair. Eles nos escutaram e isso foi especial.
Assista a chamada:
Sinopse:
VIL
trata de violência contra a mulher, com narrativas construídas a partir de dados, fatos e relatos reais de mulheres de diferentes segmentos sociais que sofreram com a violência doméstica.
Direção:
Renato Carrera;
Dramaturgia:
VIL cia. – Livre dramaturgia a partir da peça homônima de Rodrigo de Roure;
Elenco:
Andreza Bittencourt, Beta Schneider, Dani Ornellas, Higor Campagnaro, Larissa Siqueira, Laura Nielsen, Sergio Medeiros, Stand in: Alice Morena.
Serviço:
Até 26 JUN
Quinta à sábado, 20h30.
Domingo, 19h.
Espaço SESC Copacabana.
Entrevista: Bruna Leal
Fotos: Elisa Mendes