O Teatro do Oprimido (TO) é uma metodologia criada por Augusto Boal nos anos de 1960, que pretende usar o teatro como ferramenta de trabalho político, social, ético e estético, contribuindo para a transformação social. Foi desenvolvida (e está ainda sendo, nas mãos de quem usa agora este método) ao longo das diferentes experiências de Boal, quer na América Latina (onde viveu a ditadura brasileira e a derrota das esquerdas latino-americanas que o levaram ao exílio) quer na Europa.
A “Árvore do Teatro do Oprimido” é um recurso imagético importante para se perceber a pluralidade de técnicas e a riqueza do TO enquanto metodologia de libertação. Cada ramo da árvore do TO corresponde a uma técnica desenvolvida num período específico da vida de Boal, para suplantar limitações e tornar possível a transformação. Os jogos e exercícios de ativação sensorial e desmecanização do corpo, o teatro-imagem, o teatro-jornal, o teatro invisível, o arco-íris do desejo, o teatro-fórum e o teatro legislativo são parte do tronco e dos ramos desta árvore e cada um serve funções concretas. A multiplicação, representada pelo pássaro (as pessoas que usam o TO e o disseminam) são a estratégia de difusão. A ética e a solidariedade são os seus fundamentos e guias, e nas suas raízes estão várias formas de conhecimento, como a filosofia, a história, a política ou a sociologia… A seiva que alimenta a “árvore do TO” é a Estética do Oprimido e no seu topo temos a promoção de ações sociais concretas e continuadas – a transformação da realidade.
O Teatro do Oprimido assenta em três grandes princípios, que são as suas propostas mais fortes: a reapropriação dos meios de produção teatral pelos oprimidos, a quebra da quarta parede que separa o público dos atores e a insuficiência do teatro para a transformação social, isto é, a necessidade de ele se integrar num trabalho social e político mais amplo.
A reapropriação dos meios de produção teatral
Partindo do princípio que a linguagem teatral é a linguagem humana utilizada pelos indivíduos, no seu quotidiano, todos podem desenvolvê-la e fazer teatro, ampliando as suas possibilidades de expressão. Ao recuperar os meios de produção teatral para as pessoas e o acesso às camadas sociais menos favorecidas, torna-se possível um outro modo de analisar a exploração de situações de opressão, dando-se valor à capacidade criadora e criativa das pessoas, em particular dos oprimidos. A sua finalidade é a conscientização social e a transformação da realidade – o teatro funciona como um veículo para a organização e para o debate dos problemas, empoderando os sujeitos/atores sociais na defesa dos seus direitos e incentivando a sua participação cívica.
No Teatro do Oprimido, os grupos podem em conjunto construir o seu “sonho possível”, para utilizar uma expressão de Paulo Freire. Esse sonho possível, ou realidade desejada, não se refere a uma idealização ingénua, mas emerge justamente da reflexão crítica acerca das condições sociais de opressão. Conhecer essas condições faz com que elas não sejam encaradas de forma determinista, mas com que a realidade seja entendida como mutável através da participação dos sujeitos que a constituem. É um duplo compromisso na luta pelos sonhos possíveis: denúncia da realidade excludente (representada no Teatro do Oprimido pela cena que mostra as opressões) e o anúncio de possibilidades de sua democratização, bem como o compromisso com a criação de condições sociais de concretização de tais possibilidades – o que no Teatro do Oprimido é feito através da participação dos espet-atores na cena, com vista a propor outras formas de lidar com o problema. A História, enquanto processo social, e as estórias vividas pelas pessoas são sempre encaradas como possibilidade, não como um fatalismo da realidade. Para se sonhar coletivamente e esse sonho ter um alcance de movimento transformador, é preciso que se ensaiem as formas de ação. No Teatro do Oprimido isso acontece rompendo a quarta parede.
Romper a quarta parede
Chamamos quarta parede à barreira invisível que separa os atores do público, o palco da plateia. No teatro convencional, esta divisão atores/público confere a uns o poder de falar e de agir, mantendo os restantes confinados ao mutismo e à observação. Isto não significa que quem vê não está também a pensar, a refletir criticamente a realidade que observa. Contudo, o facto de esta realidade já estar construída em palco, já ter sido selecionada e trabalhada por outros, torna o poder reflexivo limitado.
Numa peça de Teatro-Forum pretende-se destruir a barreira entre palco e plateia e implementar o diálogo – a comunicação directa e ativa entre os espetadores e os atores. Aí, apresenta-se ao público um (ou vários) problemas, em forma de teatro, e o público é estimulado a entrar em cena, substituir o protagonista, participando de forma direta na criação de um final ou de vários finais possíveis. O Teatro-Forum, ao montar quadros de interação que apresentam problemas vividos pelas comunidades e ao propor que elas assumam o protagonismo de mudarem o final das estórias apresentadas, é um meio muito interessante de diálogo entre as comunidades. A base do TO é a exploração de situações de opressão e a valorização da capacidade criadora e criativa de todas as pessoas, através da sua ativação enquanto sujeitos.
O teatro-forum inserido numa intervenção social e política mais vasta
Para Augusto Boal, o Teatro do Oprimido é o ensaio geral da Revolução, devendo terminar sempre na construção de um modelo de ação futura. Tudo o que fazemos com o Teatro do Oprimido é para clarificar o mundo, as suas relações de poder e dar às pessoas a possibilidade de ensaiar transformações na sua vida real. Assim, a produção de uma peça de teatro a partir das estórias e experiências das pessoas e a quebra da quarta parede, no sentido da invasão da cena e da ativação dos espet-atores, não chegam. A ativação das pessoas pretende-se para além do palco e é isso que faz com o TO seja um método para a emancipação. Ir para além da cena, transformar as intervenções em mudanças efetivas, criar formas de ação coletiva dos oprimidos, concretizar modalidades através das quais os oprimidos lutam por alterar a sua vida, esse é, provavelmente, o principal objetivo do TO.
Por Joana Cruz
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