O garçom Manuel Conrado, de 58 anos, morador de Magé, passa os dias de segunda a sexta-feira equilibrando bandejas entre as mesas de um bar no Centro do Rio, atendendo clientes. Já aos sábados e domingos, seus dias de folga, bate ponto nos teatros da cidade, como espectador. E, na plateia, é certamente um dos mais assíduos. Apaixonado pela arte da dramaturgia, somente esse ano já assistiu a mais de 50 espetáculos, alguns até quatro vezes, numa mesma temporada.
Mas nem sempre foi assim. A paixão que ele define como “quase um vício” é recente. A primeira ida ao teatro foi há pouco mais de cinco anos. O gosto pela encenação de uma história de um modo mais vivo e real, com o qual não estava acostumado, o pegou de tal jeito que nunca mais deixou as salas de espetáculos.
Sua casa virou uma espécie de museu do teatro, onde guarda mais de 400 peças, entre ingressos, programas dos espetáculos e fotos com artistas que, segundo diz, viraram uma atração e chama a atenção de todos que o visitam. Este ano ele só não assistiu a nenhuma peça durante o carnaval, porque nessa época as apresentações costumam ser suspensas. A ausência maior foi no ano passado — por cerca de dois meses — após a morte de um de quatro seus filhos.
A participação num clube de ingressos permite que ele assista a tantos espetáculos, sem gastar muito. Por esse sistema garante várias gratuidades e descontos.
O garçom recorre ainda a campanhas em que a entrada pode ser trocada ou ter o valor reduzido por meio de doações de alimentos não perecíveis, além da boa vontade dos seus clientes mais assíduos, sempre dispostos a ajudá-lo.
Parceira de espetáculos: a neta
Com a autoridade de quem conhece bem a programação teatral da cidade, Manuel diz que arrisca dar palpites para os clientes que pedem uma indicação. Dos teatros do Centro e da Zona Sul, já foi a todos. Só não vai aos da Barra da Tijuca por causa da distância. Seus favoritos são o Teatro Riachuelo, na Cinelândia e o Oi Casa Grande, no Leblon, por conta do conforto. Mas as cinco estrelas para atendimento vão para a equipe das salas do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
— O pessoal de lá é muito amável. Trata o público muito bem — elogia.

Manuel só lamenta a ausência de palcos em sua cidade, o que certamente o tornaria um espectador ainda mais presente. Os teatros mais próximos ficam em Petrópolis. Ele garante que também gosta de shows e exposições. Numa delas, sobre a obra da cantora Maria Bethânia, não perdeu a oportunidade de posar para uma foto.
Como não conseguiu passar o gosto pela arte de representar para a mulher — que prefere ficar em casa — nem para os filhos, tenta introduzir a neta Ana Júlia, de 10 anos, ao mundo dos espetáculos. Nos últimos tempos, a menina tem sido sua companheira constante.
Depoimento: ‘Deixo todo o estresse nessas cadeiras’
A plateia do teatro é o espaço onde eu me encontro. Entro aqui me sentindo como se tivesse cem, 120 quilos e saio com 50. Deixo todo o estresse do dia a dia nessas cadeiras. Recomendo: façam o mesmo, venham ao teatro. Sempre que gosto muito de um espetáculo, volta trazendo mais alguém para compartilhar tanta beleza.
Predileção por comédias e musicais
A predileção de Manuel são as comédias e os musicais. Drama ele evita, diz que faz chorar. São tantos espetáculos assistidos, que já nem se lembra qual viu primeiro. Apenas os que gostou tanto que viu várias vezes. O campeão é Neurótica, em que a atriz Flávia Reis interpreta 11 personagens e foi vista quatro vezes, em dois teatros diferentes por Manuel.
Em seguida vem o espetáculo sobre o Chacrinha, vivido por Stepan Nercessian, que Manuel viu três vezes. Depois, Vamp, a recriação nos palcos em forma de musical de uma novela de sucesso dos anos 90; e Ópera do Malandro, da obra de Chico Buarque, ambas vistas duas vezes.