[Musicais] Fabiana Cozza renuncia ao papel de Dona Ivone Lara após ser considerada ‘clara demais’

Fabiana Cozza e Dona Ivone Lara Foto: Camilla Maia e Divulgação
Fabiana Cozza e Dona Ivone Lara – Camilla Maia e Divulgação

“Renuncio por ter dormido negra numa terça-feira e numa quarta, após o anúncio do meu nome como protagonista do musical, acordar ‘branca’ aos olhos de tantos irmãos”, desabafou Fabiana Cozza em uma longa carta divulgada neste domingo. A escolha da cantora, que é filha de pai negro e mãe branca, para viver Dona Ivone Lara num musical sobre a vida da sambista recebeu duras críticas por ela ser “clara demais” para o papel.

Ao comunicar sua desistência, noticiada pela coluna de Marina Caruso, Fabiana escreveu: “Quero que este episódio sirva para nos unir em torno de uma mesa, cara a cara, para pensarmos juntos espaços de representatividade para todos nós”.

CONTRIBUE PARA A CONTINUAÇÃO DO ATORES DA DEPRESSÃO

O texto de Fabiana e as críticas que ela recebeu foram compartilhados durante todo o domingo em redes sociais e grupos de Whatsapp. Dividiram opiniões, abriram longos debates e deixaram claro que a questão da representatividade ainda precisa ser muito discutida no Brasil.

Ao GLOBO, a ativista Stephanie Ribeiro, que anunciara um boicote ao musical, afirmou:

— (A renúncia) foi a melhor coisa que podia ocorrer. (A escolha dela) foi como quando a Zoe Saldana interpretou a Nina Simone. É a lógica racista de não escolher uma pessoa negra de pele mais escura. Isso reforça o embranquecimento de pessoas negras (nas artes) historicamente. A atitude dela foi positiva, ia ser uma mancha em sua carreira. A pressão foi muito grande, não ia acabar. Existe um público que busca representatividade e que já está no seu limite, é uma coisa vindo com força.

APROVADA PELA HOMENAGEADA

Com 42 anos de idade e 20 de carreira, Fabiana conviveu, dividiu palco e gravou com Dona Ivone. Segundo a ex-empresária da sambista, Miriam Souza, o nome da cantora havia sido aprovado pela própria homenageada, que morreu em abril passado.

— Ela reconhecia a importância e o talento da Fabiana. As duas trabalharam juntas e eram muito próximas. Isso estava acertado desde o ano passado, é um absurdo.

A cantora Fabiana Cozza no palco – Divulgação

Assim que a escalação foi anunciada publicamente, porém, tanto Fabiana quanto a produção e a família da sambista passaram a ser criticados pelo fato de a cantora ter um tom de pele mais claro do que a homenageada.

No centro da discussão está o conceito de colorismo: quanto mais escura a cor da pele, maior o preconceito, quanto mais clara, maior a aceitação social. Para os críticos à escolha de Fabiana, a produção da peça estaria embranquecendo a personagem.

— O talento dela não está em questão, assim como não está em pauta se ela é ou não uma mulher negra. Fabiana é uma mulher que se declara como negra, se posiciona politicamente em relação a isso. Meu questionamento é em relação à representatividade e ao embranquecimento — diz a dramaturga Maria Shu. — Escalar uma artista de pele clara reforça um imaginário de que Dona Ivone seria uma mulher de pele clara, o que não é verdade. Isso também fere a História, porque foi por ter a pele mais escura que Dona Ivone sofreu mais preconceito e demorou tanto para gravar seu primeiro disco, por exemplo.

ATENÇÃO ÀS DEMANDAS ATUAIS

Maria Shu cita os casos de Machado de Assis, Chiquinha Gonzaga, Stela do Patrocínio e Bispo do Rosário, que foram interpretados por pessoas de pele mais clara no teatro e na TV:

— Isso é muito prejudicial para a construção do imaginário e para a representatividade dos negros. As atrizes de pele escura já têm menos oportunidades e, quando surge um papel para elas, são sempre preteridas em favor de um padrão de negritude que privilegia a pele mais clara, um tipo de negro mais palatável. Isso é execrável. É preciso estar atento às mudanças e às demandas do tempo atual. E hoje não cabe mais ter embranquecimento e apagamento da História do negro.

A discussão está longe do consenso. Em seu perfil no Facebook, a secretária municipal de Cultura, Nilcemar Nogueira, que também é coautora da pesquisa para o musical, se disse surpresa e chamou de “ataques racistas” as reações inflamadas à escolha da protagonista por causa do que chamou de “paleta de cores da negritude”.

“Logo pensei na velha máxima: se não é branco, preto é. E logo reflito a desunião do nosso povo negro. Sigo acreditando que precisamos discutir e muito o racismo estrutural. O espetáculo é uma produção feita por negros (…). Pensei, pensei, pensei, como não fujo da luta vou sim abrir este debate quando todo elenco estiver definido. Por ora é com muita tristeza que compartilho a decisão de Fabiana Cozza”, escreveu.

Outras personalidades negras saíram em defesa de Fabiana: “Às vezes, no afã de expormos as faces cruéis e inadmissíveis do racismo que estruturou o nosso país, nos esquecemos sobre quem estamos falando, e isso é muito ruim. A nossa sensibilidade, uns para com os outros, não deve ser deixada de lado em nome de um academicismo mecânico, tão criticado por nós, justamente, por tentar legitimar discriminações de todo tipo por séculos”, escreveu a sambista Leci Brandão. “Todo meu carinho e solidariedade à grandiosa Fabiana Cozza. Cantora negra de voz ímpar, doce e singular”, compartilhou a cantora Teresa Cristina.

A produção do musical prometeu soltar um comunicado sobre o assunto e os rumos do espetáculo até terça-feira. “Dona Ivone Lara — um sorriso negro” tinha estreia prevista para setembro, no Teatro Carlos Gomes, no Centro do Rio.

FONTE

Leia mais: https://oglobo.globo.com/cultura/fabiana-cozza-renuncia-ao-papel-de-dona-ivone-lara-apos-ser-considerada-clara-demais-22742777#ixzz5HVI5mmQQ
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