[Mundo] Na Venezuela, o teatro também é parte da resistência

Ana Gabriela Melo (ao centro) com o elenco da sua peça “Sopa de tortuga”, que reflete sobre a identidade venezuelana, os movimentos da Diáspora e os altos e baixos da vida quotidiana que não para, mesmo em tempos de crise nacional.

O teatro, como qualquer outra atividade artística e criativa a acontecer na Venezuela, enfrenta e reflete sobre a crise nacional que se intensificou nos últimos ano. A luta económica, política e social traduz-se em protestos sangrentos e turbulência política, incluindo um referendo organizado pelos grupos da oposição e o início da Assembleia Constituinte envolta em controvérsia.

As dificuldades vividas nas ruas imiscuem-se em todos os aspectos da vida dos venezuelanos e são usadas, frequentemente, para projetar um clima de incerteza nos palcos que reúnem as companhias e grupos de teatros nacionais.

A planificação, preparação e montagem das peças, assim como as expectativas dos atores, diretores e das instituições ligadas ao teatro fazem com que tornar as peças uma realidade seja uma enorme façanha. Por esta razão, muitas das companhias de teatro que continuam ativas reúnem os seus esforços sob a hashtag #TeatroDeLaResistencia (#TeatroDaResistencia). No canal do YouTube da companhia de teatro La Caja de Fósforos (A Caixa de Fósforos) podemos ver exemplos deste esforço com um vídeo onde os atores interpretam manifestantes.

Global Voices conversou com , para compreender os movimentos por detrás da hashtag e como é que a atividade teatral se insere no contexto de crise da Venezuela. O teatro da resistência, como afirma a atriz e dramaturga Ana Melo, uma das representantes mais ativas dos teatros de Caracas, capital da Venezuela, é o teatro que se recusa a morrer apesar de ter tudo contra si e enfrentar sérios problemas éticos e humanos. 

Há pessoas que pensam que isto não faz sentido (…) que a resistência que terá impacto na sociedade é feita nas ruas, não no palco. Por isso os atores sofrem de uma espécie de baixa auto estima em relação à sua arte. Perguntas como para quê fazer isto ou será o teatro útil ao país no meio da maior crise da sua história invadem com força a mente dos artistas e o espaço cénico.

E ainda,

Eu sinto que em parte também é um comportamento obsessivo. A ideia que queremos transmitir é mais forte. É uma necessidade de comunicar que é mais forte que você, mais forte que a relutância e até que a crise. A minha luta tem sido, apesar das manifestações e crises, continuar a motivar o grupo de atores e fomentar a sua vocação.

Para Ana Melo, “o teatro está relacionado com a especificidade venezuelana e não com uma posição política” e por isso encontra inspiração em cada uma das coisas que acontecem ao seu redor, em todas as histórias que o definem:

São como duas forças opositoras que coexistem e são difíceis de controlar: por um lado há um desengano, um sentimento de para que faço isto. Por outro lado, há uma espécie de teimosia, é quase como uma coisa automática: fiz isto toda a minha vida. Se há uma atuação eu vou e pronto.

A recompensa

Mas, com esta crise sobre o valor da atividade artística no país, qual é a motivação destes corajosos que decidem continuar a levar a cena peças de teatro na Venezuela?

Ana Melo assegura que a recompensa está naquele breve momento depois da apresentação de uma peça em que alguém diz que a história representada o deixou a pensar. Assim, o prêmio é saber que a mensagem foi passada com sucesso e que ficará em uma ou mais mentes. É perceber que a inquietude que outrora estava contida num individuo sai, ocupa e muda algo naqueles que a viram materializar-se, que a viveram e que se apropriaram dessa inquietude.

[Na criação] há dor. Algo que te magoa muito. Coisas que são criadas pela dor. Nesse sentido, este processo é um pouco tortuoso, mas apreciável. E quando alguém diz que viu a peça e que o deixou a pensar, significa que a peça ressonou de alguma maneira. Para mim, isso é a recompensa.

O teatro pode tornar-se um trabalho hercúleo e é doloroso quando chega ao fim. Doí quando um projeto chega ao palco e temos de o deixar partir. Contudo, há sempre coisas para dizer e começa tudo de novo… quase como um castigo grego. O teatro é uma maneira de pegar tudo o que está acontecendo, filtrar e assimilar sob outro ponto de vista. Liga a um lado emocional, ajuda a compreender através da emoção, faz perguntas.

Para Melo a recompensa também vem da própria resistência de uma arte que desde o seu início esteve ligada à realidade política e que existirá e resistirá enquanto houverem grupos e dinâmicas sociais em mutação. Em poucas palavras, enquanto houver vida, existirá um teatro para traduzir a experiência humana num ato estético necessário ao alívio e despertar da consciência.

FONTE

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