[Quarta Parede] Os sacrifícios que valem a pena!

A rotina de Ramiro começa bem cedo. Acorda às vinte para a cinco da manhã, toma um banho apressado para despertar, escova os dentes, toma um rápido café e sai de casa na escuridão da noite, pois o dia ainda não amanheceu. Vai até o ponto de ônibus e espera, espera e espera… Quase cinco e vinte, a lotação surge lotada… Acostumado, passa na catraca e longe da porta de descida consegue um canto para ficar. E realiza o seu exercício predileto: observar pessoas! Observa que muitas dormem tanto de pé, quanto sentadas em seus assentos. Nota que há muitos idosos no ônibus e jovens que se fingem de adormecidos para não cederem lugar aos velhinhos. Mas existem senhores e senhoras que também preferem, mesmo com o direito ao assento preferencial, ficar de pé. E as crianças? Algumas mais calmas e sonolentas, outras mais agitadas e enlouquecedoras. Pobrezinhas das mães… E dizem que só elas são felizes… Pessoas ouvindo som no último volume. Muitos empurrões, alguns que ficam na porta de descida sem necessidade, afinal nem vão descer ainda, e olha que já havia amanhecido de fato, há pouquíssimo tempo, imagine mais tarde, o caos que será a condução! Tudo isso faz parte do dia a dia de Ramiro.

Quando chega ao trabalho, encara uma rotina complicada… Trabalha no suporte técnico de uma empresa, que terceiriza serviços para uma famosa marca de televisão. Na carteira é registrado como “Analista de Atendimento ao Cliente”, apenas para enfeitar a realidade, Ramiro é operador de telemarketing. E como sofre… Atende muitas ligações, clientes que fazem perguntas absurdas, outros que reclamam demais e outros que entendem de menos. Irrita-se muitas vezes, mas sabe que precisa daquele trabalho, e reconhece que essa área não é valorizada. Porém, deveria ser, por todo o trabalho psicológico que tantos operadores têm que aguentar, com tantos pedidos, tantas urgências, tantas razões e tantas amarguras. O almoço de Ramiro é de vinte minutos apenas e nem pensar em estourar este tempo! Sua carga horária é de seis horas e vinte minutos. Mas realmente a sua necessidade grita por menos horas de trabalho, independente da remuneração…

Ao chegar em casa, seu irmão Romeu, de férias do emprego indaga:

– Não sei como aguenta!

– Do que está falando?

– Viver tão sem dinheiro!

– Está falando do meu emprego? Eu preciso dele e sabe muito bem que este não é o meu verdadeiro trabalho, apenas é o que eu preciso por ora, para me sustentar até conseguir o que quero.

– Claro, pois o que chama de verdadeiro trabalho, não garante grana nenhuma. Veja, meu irmão, eu já acumulei duas promoções no meu trabalho, que é de verdade!

– Que ótimo para você…

– Sou formado em administração e pós-graduado em marketing! Logo vou me casar, estou de férias, enfim tudo numa boa! E você? Aposto que já vai sair! Vai para aquele lugarzinho? Como perde tempo… Não vai conseguir nada com isso, viverá eternamente como um atendente. Papai e mamãe ficam tão desgostosos… O filho mais novo, que nem profissão tem!

Ramiro, nada responde e observa Romeu sem camisa com um balde de pipocas na mão e uma latinha de cerveja na outra, e constata que ele pode até ser feliz em seu mundinho de pensamentos pequenos, mas nunca será por completo, pois se preocupa demais com o dinheiro e conveniências sociais, além de se exibir falando de suas formações acadêmicas. Ramiro subiu, se arrumou e foi muito, mas muito mais animado para o ensaio do espetáculo “Noite de Reis”, clássico de William Shakespeare que certamente Romeu nunca tenha ouvido falar. E todo o sacrifício e sofrimento da sua rotina valem a pena quando está lá, no palco, que não é um “lugarzinho”, e sim, um teatro! E o que faz é profissão e tem nome: Artista!

Texto de Luana Manso
Revisado por Zilma Barros
Foto: Gustavo Freire (Ator)
Fotógrafo responsável: Rodrigo Oliveira

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