Por Juliano Bonfim
– Nunca o nunca nas artes foi tão discutido como nos dias de hoje, seja nos palcos, nas telinhas ou nas telonas, nudez é um assunto que sempre vai rondar a vida de um ator ou atriz. Se a nossa profissão é representar com maestria a realidade, como fazer caso uma cena peça que você fique com quase nada ou sem nada de roupa na frente de dezenas de pessoas?

A nudez no teatro começou a ser usada no Brasil por volta do ano de 69; Um dos primeiros registros de nudez feminina foi da atriz Ítala Rossi na peça Na Selva das Cidades, texto de Brecht montado pelo Oficina. O ator Raul Cortez é um dos primeiros registros de nudez masculina, na montagem de O Balcão e até hoje é considerado uma forma de expressão estética e social, e pode ser um elemento interessante para servir de ponte de comunicação entre os personagens e o público. Sua finalidade é, portanto, transmitir a mensagem ao espectador da forma mais eficaz possível, já que para algumas pessoas o nu é visto como uma forma agressiva de exposição.
Por isso, os diretores têm o cuidado de estudar e debater o texto com o seu grupo para definir a real necessidade de seu uso e finalidade. Porém, alguns estudiosos e profissionais deste meio acreditam que atualmente, muitos espetáculos se utilizam do nu de forma gratuita apenas com a intenção de vender mais ingressos e aumentar o marketing em torno dele.
Em entrevista o professor de interpretação e improvisação da Unicamp (Universidade de Campinas), Mateo Bonfitto, acredita que o uso do nu é relativo a cada trabalho. “Alguns espetáculos usam o nu com um propósito maior, mas em alguns outros utilizam como elemento de atração de público e ferramenta comercial”.
Segundo ele, isso tem se disseminado, cada vez mais, nos palcos dos teatros como uma herança da lógica de mercado da própria televisão que explora a nudez e a sensualidade para ganhar mais ibope e vender comerciais.
Bonfitto, ator há mais de 20 anos, disse que, apesar da lógica de televisão ser aplicada também nas peças, a reação do público ao ver cenas de nudez no teatro é diferente do que se fossem vistas pela televisão. “A sensação que temos quando vemos o nu pela tela é uma espécie de proteção. Já que não há nenhum contato próximo com o corpo do outro. No teatro, a impressão é de que estamos compartilhando todas as ações dos personagens já que estamos próximos fisicamente”, explica.
Uma questão social

Escrito por Marquês de Sade, em 1785, o livro foi adaptado ao teatro e, assim como na literatura, seus personagens aparecem em constantes cenas de nudez. A decisão de utilizar o nu também no espetáculo veio do estudo da obra feita pelo diretor Rodolfo García Vazquez que percebeu que a nudez atuaria como um fator para dar mais impacto aos sofrimentos das vítimas que eram humilhadas por seus libertinos.Algumas peças utilizam o nu como instrumento poético, como nas montagens de Nelson Rodrigues. Outras para contestar e fazer uma reflexão social, política e até econômica como em 120 Dias de Sodoma, dos Satyros.
O diretor da peça, diz que a “a grande questão não é nudez pela nudez, e sim o discurso oculto destas vítimas”. A peça, que faz críticas a política brasileira, tem a intenção de mostrar também a falta de ação do povo diante de alguns fatos. “O que faz uma vítima se permitir a esta condição de humilhação que os libertinos a colocaram? Isto também ocorre com a nação brasileira”, afirma o diretor.
Segundo Heitor Saraiva, 52, ator que interpreta um dos libertinos na peça, a preparação para encenar sem roupa é mais no campo do conteúdo. “Não tive problemas nenhum em tirar a roupa, porque você estuda e entende o porquê está fazendo aquilo, nada é gratuito”, afirma.
Algo curioso é que durante os ensaios da peça os atores não tiram suas roupas. Mas, durante a entrevista, Heitor conta que em um destes ensaios dois atores em uma ocasião tiraram suas roupas. “O nu é muito natural quando você estuda e entra na vida do seu personagem”, relembra sorrindo.
Uma outra atriz da peça, Hevelin Gonçalves, 27, disse que para ela e para alguns outros atores a dificuldade de ficar nu tem a ver mais com a estética. “Eu já fiz peças que estar com corpo sarado era pré-requisito para tirar a roupa, mas em 120 Dias de Sodoma isto não é necessário. Para Sade, um corpo descoberto é só mais um dentre muitos.”, afirma a atriz. “O nu não pode ser gratuito, até porque o público percebe isso. Ator com consciência não aceita fazer o nu por acaso, pois para quem interpreta é preciso ter conteúdo para desempenhar bem a proposta”, finaliza a atriz.
Como o público se relaciona com a nudez é problema de cada um
Na peça “Multitud” (foto), que foi apresentada na antiga Estação de Trem de Campinas em 2015, 60 bailarinos brasileiros tiraram a roupa durante a encenação. Para a coreógrafa uruguaia Tamara Cubas, o nu é “algo anatômico e natural” e ela prefere não arcar com outros olhares que possam existir. “Como o público se relaciona com a nudez é problema de cada um. Não corresponde a nós, artistas, nos preocuparmos com que o outro pensa. O público tem de se fazer responsável por sua leitura e de suas próprias neuras e possibilidades de diálogo. Isso é problema dele, porque se supõe que é uma relação. Cada um é responsável por sua parte. O público tem que trabalhar também. Senão, seria um espetáculo para que consumam, aprovem ou não aprovem. E não é o caso”.
O bailarino e performer brasileiro Neto Machado, que dirigiu o espetáculo “Desastro” na Bienal Sesc de Dança, seguiu direto para a Itália, onde se apresentará com o “Low Pieces”. Nesta produção francesa dirigida por Xavier Le Roy, o elenco todo fica despido durante toda a apresentação. “É um espetáculo que propõe olhar diferente para o homem. Nus, nós ficamos menos humanos. A roupa é algo muito demarcador do humano, é algo que deflagra a humanidade facilmente. Então, fazemos todas as cenas nus. E rapidamente o espectador esquece do tabu e nos vê como animais, máquinas, objetos”.
Para Machado, o corpo nu é como um figurino que demarca uma escolha de como ser visto em cena. “Enquanto estou em cena minha atenção está dividida em tantas coisas que estar nu é meu figurino e ponto. Para mim, a relação com o nu na dança e nas artes cênicas em geral já não funciona mais como um ato inovador. Se pensarmos em artes plásticas, vemos nus em cena há muito tempo”.
Para “desavergonhar”
Nossas neuroses culturais sobre nossos corpos e sexualidade dão à nudez artística seu poder, e podem ser um motivador poderoso para os atores que escolhem se desmontar – literal e figurativamente – para o público.
“É engraçado, porque estar nua é uma coisa extremamente vulnerável”, diz Courtney Weir (foto), que interpretou uma jovem inocente em Liaisons Dangereuses. “E embora seja quando você está nu na frente de uma platéia, há uma espécie de poder que você tem sobre eles nesse momento. É uma sensação de empoderamento. Isso mudou a minha vida, eu encontrei uma paz com o meu corpo.”
Krystle Marie, que interpretou uma Afrodite nua na adaptação de “Phaedre” em 2009, diz que escolheu expor tudo no palco como uma forma de superar seus próprios problemas de imagem corporal, pois tinha ganhado peso.
“Quando você é atriz, passa muito tempo na pele de outra pessoa”, diz ela. “Eu precisava nesse momento de provar a mim mesma que eu estava confortável em minha própria pele. Era absolutamente aterrorizante, mas isso era algo que eu precisava fazer na minha vida. A primeira vez que fiquei completamente nua foi durante o ensaio – a nudez sendo minha “fantasia” para o papel. Estava tão nervosa que esqueci o texto. Tudo o que eu pude pensar na minha cabeça foi: ‘Oh meu Deus, estou nua e sou linda!’ e o diretor gritava: “texto, texto, texto” Então eu virei pra equipe e gritei ‘Eu sou maravilhosa nua!’ Esse foi um dos melhores momentos de minha vida ”
Os atores Phoebe Waller-Bridge e Keir Charles (foto), que ficaram nus quase que o tempo na peça Mydidae, de 2013, contam como fizeram para perderem a vergonha da nudez. “Era completamente essencial para o enredo”, diz Keir, “A primeira vez que ficamos nus, o diretor e assistente de palco sairam para tomar uma xícara de chá, e Phoebe apagou todas as luzes, fechou todas as cortinas, tiramos as roupas e corremos gritando como crianças”.
Phoebe Waller-Bridge acrescenta: “É mais fácil se apresentar nua diante de 700 pessoas que você não conhece do que amigos e família – é mais libertador quando você não conhece ninguém, você pode sentir que a sala ganha vida quando você está fazendo isso. Há uma hiper-consciência entre você e o público – e isso pode ser realmente comemorado.”
Para desencaretar
O dramaturgo Newton Moreno define a nudez como “uma marcha da humanidade em cima da gente”. Para ele, espetáculos com nus, que durante a ditadura eram “um grito pela liberdade”, hoje também funcionam “para desencaretar” o público conservador. “Mostra para a gente o básico, o que estamos esquecendo”.
Para o ator Sérgio Mamberti (foto), a nudez é uma coisa conquistada há bastante tempo, de repente, passamos por um período mais conservador”, rememorando outros tempos. Nas décadas de 1960 e 1970, tínhamos a estética da nudez muito presente no teatro e na dança. Temos, hoje, avanço de religiões fundamentalistas, que têm problema com o nu. A nudez é importante, porque é o corpo humano. Na estética clássica e renascentista, a nudez sempre esteve presente. Nossos índios também sempre exibiram seus corpos. Temos de ter liberdade para espetáculos com nudez.

Os atores Leonardo Miggiorin e Daniel Radcliffe passaram por experiências muito parecidas, ambos foram protagonistas da peça Equus, texto muito conhecido por ter um nu masculino que se faz muito necessário para a trama. “Quando montei Equus fiquei temeroso que o nu pudesse passar como uma coisa gratuita e vulgar. O que está longe disso”, disse Leonardo, que continua: “O texto cria todo um embasamento para que aconteça o nu. Trata-se de uma exigência do texto. Por isso, seria muito medíocre e leviano de minha parte não embarcar nesta situação de ritual e de conexão com o sagrado do personagem. Afinal, a imersão dele no sagrado é por meio do contato com os cavalos. Portanto, o ator precisa ter um despudor. Quando estou com este personagem, contando esta história, esqueço-me deste pudor. Fica fácil embarcar e entender o porquê deste nu.”

Daniel se sente muito orgulhoso de sua coragem em cena, “Quando fiz Equus eu ficava no palco a peça inteira e corria nu por 10 minutos numa cena sobre fracasso sexual. Eu estava muito assustado e com 17 anos, que é a idade em que você é mais autoconsciente. E eu estava muito consciente de que uma determinada percentagem do público estava indo só pra olhar o meu pau todas as noites. Olhando para trás, isso era louco. Eu tenho muito respeito por mim mesmo por ter tido a coragem de fazer isso, digamos assim.”

O ator Jesuíta Barbosa diz que gosta muito de cenas de nudez. “Sempre espero que um trabalho tenha muitas cenas quentes e de nudez. Acho isso importante. A gente sempre fala de nudez como se fosse uma coisa espantosa, e eu não vejo isso como um tabu. É bom que parem de tratar como um tabu.”
Para Bruno Gissoni o nu é uma coisa muito natural, “Uma forma de dizer que é como a gente veio ao mundo e não tem que ter pudor com relação a isso, o espetáculo Dzi Croquettes, por exemplo, é mais do que isso. Se prestarem muita atenção na bunda de fora, é porque tem alguma coisa errada com a cena. O foco não é esse.”

E como a maioria de nós, a atriz Leona Cavalli também teve seus problemas quando precisou tirar a roupa, “Ficar nua no palco não foi fácil. Isso me desestruturou. Fazia os ensaios de roupa, mas na estreia não teve jeito. Para o ator, a nudez não é uma coisa de estética, é pura entrega ao personagem.”
E você, qual a sua opinião sobre a nudez em cena?
Algumas informações estão equivocadas. Raul Cortez fez o primeiro nu masculino. Antes já havia tido por 2 atrizes.
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Olá Saulo, se vc tiver as informações sobre essas atrizes me passa por favor, que atualizo aqui 😉
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Acho que a nudez tem sido utilizada mais como chamariz do que como instrumento artístico. É como se ela estivesse banalizada atualmente e isso, indiretamente, reforça os tabus, amplia os fetiches. Acredito que algumas cenas ficam mais claras com nudez, que algumas situações necessitem disso, mas tem se tornado uma regrinha e isso muda todo o propósito, inclusive de quem defende o despudor das formas humanas.
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